Terras do Infante promoveram Congresso subordinado ao MAR
Conferencistas apresentaram este sábado, no Centro Cultural de Lagos, para uma audiência atenta, as suas perspetivas sobre a economia do mar, o ambiente e a sustentabilidade. No final dos trabalhos foram anunciados os princípios orientadores para a elaboração de uma Carta de Compromisso que pretende envolver os vários atores em ações de defesa do mar como recurso económico, garantindo a sua proteção e sustentabilidade. Deste evento sai também reforçada a intermunicipalidade entre Aljezur, Lagos e Vila do Bispo.
A poesia, dita pelo autor e artista Napoleão Mira, abriu o I Congresso da Associação de Municípios Terras do Infante, recordando a obra de Sophia de Mello Breyner Andresen, no ano em que se assinala e celebra o 100.º aniversário do seu nascimento.
Uma opção explicada por Maria Joaquina Matos no seu discurso de abertura dos trabalhos, que enquadrou a homenagem referindo-se a Sophia como alguém que amou e sentiu Lagos, e deixou na sua obra esse sentimento. Sobre a oportunidade de realização do Congresso, a Presidente do Conselho Diretivo da Associação de Municípios das Terras do Infante lembrou a importância do mar na construção da identidade deste lugar e das suas gentes, mas que hoje continua ainda a gerar muitos desafios que advêm da necessidade de, por um lado, potenciar o mar como recurso económico e, por outro lado, garantir a sua proteção e sustentabilidade, o que exige a capacidade de voltar a alargar horizontes mentais e pensar além do imediato.
Para Paulo Águas, Reitor da Universidade do Algarve, entidade coorganizadora do evento, o Congresso, sendo promovido pela Terras do Infante, só podia ter como tema o mar, atendendo à sua centralidade nos três concelhos. Uma centralidade que é também uma característica da Universidade do Algarve. Embora referindo que todas as áreas de saber são importantes no seio da Universidade, Paulo Águas admitiu que algumas se destacam pela excelência da investigação numa área de saber específico, o do conhecimento do mar. Na sua intervenção deixou também alguns dados que confirmam a importância do mar na economia portuguesa.
Francisco Castelo, Técnico Superior da Câmara Municipal de Lagos, trouxe à memória dos presentes o passado industrial da cidade de Lagos, que teve na indústria conserveira, entre o final do séc. XIX e meados do séc. XX, a sua principal atividade económica. Um trabalho de investigação feito a partir da recolha de fotografias antigas, documentos de arquivo e testemunhos pessoais de quem viveu os factos na primeira pessoa ou conviveu muito perto com essas pessoas.
Nuno Battaglia, Chairman do grupo Battaglia Capital SA, apresentou a Congelagos - uma das fábricas de processamento de peixe mais avançadas da Europa que foi inaugurada na véspera pela Ministra do Mar – frisando que todo o projeto assentou numa lógica de sustentabilidade de 360º, ou seja, partindo da premissa fundamental de que a pesca só pode ser sustentável se o for para todos: para o mar, para o pescador, para a fábrica e para o cliente. Na sua comunicação identificou igualmente aqueles que considera serem os principais problemas e desafios que se colocam ao setor, referindo, entre outros exemplos, os conflitos de interesses na gestão das associações de armadores, o peixe transacionado na economia paralela, a legislação e burocracia no licenciamento e a qualidade da água das rias para a aquicultura de esteiro. A má gestão dos stocks marinhos é, para este empresário, uma das principais ameaças, assim como a incapacidade de Portugal negociar a obtenção de quota do atum rabilho e licenças de armações com a EU e o ICCAT, o que faz com que continuemos a perder competitividade nas pescas perante os concorrentes mediterrânicos.
Fernando Perna e Paulo Carrasco, ambos docentes da Universidade do Algarve, partilharam com o público os estudos realizados, os quais permitem avaliar, respetivamente, o impacto económico e turístico da náutica de recreio e, por outro lado, o impacto da economia do surf, no caso concreto, em Aljezur. Uma análise complementada pela intervenção de João Fernandes, Presidente da Região de Turismo do Algarve, que deu a conhecer os projetos e as atividades que aquela entidade tem promovido e apoiado para diversificar a oferta turística da região e a consolidação de novos produtos ligados ao mar.
A Jorge Gonçalves, investigador do CCMAR (Centro de Ciências do Mar) da Universidade do Algarve, coube abordar as questões da biodiversidade marinha na costa vicentina, revelando a variedade e complexidade de habitats existentes, a diversidade de espécies que neles habitam, onde se incluem algumas raridades como o coral vermelho, assim como os projetos que estão a ser desenvolvidos para monitorizar as áreas de proteção.
Visão mais preocupante foi trazida pela voz da Prof.ª Maria João Bebiano, professora catedrática e diretora do Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA) da Universidade do Algarve (UAlg), que integra uma equipa internacional de 25 peritos da ONU incumbida de fazer a avaliação do estado dos oceanos. Na sua comunicação “Mar de Plástico” partilhou os alarmantes números da poluição dos mares e o seu impacto na vida marinha, assim como os estudos em curso que visam determinar os efeitos do plástico nas espécies, em especial no que se refere às micro e nano partículas, mais facilmente absorvidas pelo organismo. Deixou também um alerta, pois, se nada se fizer, em 2050 teremos mais lixo nos oceanos do que peixe.
Números, preocupações, alertas e também estratégias de solução sobre as questões da água, foi o que Carla Graça, Vice-Presidente da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, apresentou nesta sessão de trabalhos, chamando a atenção para a necessidade de alteração do modelo de sociedade em que vivemos, que classificou de insustentável em termos do consumo de recursos naturais. Uma causa em que a Zero se tem empenhado com o objetivo de influenciar políticas públicas e também o setor privado.
Luis Menezes Pinheiro, Presidente do Comité Português para a COI (Comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO) fez a apresentação que antecedeu a homenagem ao professor Mário Ruivo, partilhando os momentos que viveu com aquele que era considerado, por muitos representantes da comunidade científica internacional, como “The Voice” (a voz) em matéria do conhecimento do mar e dos oceanos, alguém profundamente conhecedor, mas que sempre teve uma grande humildade, a capacidade de ver mais longe, de gerar diálogo e de envolver outros nas causas em que acreditava e se empenhava. Na homenagem esteve presente a professora e viúva Maria Eduarda Gonçalves, a quem coube igualmente fazer a abertura da exposição “Mar Profundo Português” dedicada a Mário Ruivo, que ficará patente no Centro Cultural de Lagos até ao final desta semana.
Ana Paula Vitorino encerrou os trabalhos recordando, também ela, a figura homenageada e afirmando que “Portugal está empenhado em estar à altura dos seus pares internacionais, mas deve ir mais além, pois é o compromisso que temos para com o prof. Mário Ruivo no âmbito da sustentabilidade”. A Ministra do Mar acrescentou que a consciência de que “não basta não estragar mais; é preciso recuperar o que já se estragou” se deve à inspiração do prof. Mário Ruivo. Referindo-se a medidas concretas, a governante mencionou o Plano de Ordenamento do Espaço Marítimo que será aprovado em breve, após a realização de duas consultas públicas, o qual prevê o aumento das áreas marinhas protegidas até 2030, com o objetivo de fazer renascer algum desse capital natural. Segundo a Ministra do Mar, a própria tomada de consciência de que as ameaças no mar são ameaças globais também se deve ao trabalho do prof. Mário Ruivo, sendo necessário soluções inteligentes e inovadoras, envolvendo a ciência. A partilha do conhecimento sobre o mar entre cientistas, com as empresas e os cidadãos em geral, foi indicado como outro fator chave de sucesso nestas políticas, razão pela qual está em curso a criação de um Observatório, assim como outros projetos que apostam na literacia do mar. Rematando a sua intervenção, Ana Paula Vitorino afirmou que é preciso democratizar o conhecimento para mudar comportamentos e para aprendermos a respeitar o mar, pelo que o Congresso promovido pelas Terras do Infante e outros encontros e debates são de extrema importância para o sucesso deste trabalho conjunto que importa fazer.
A Canção do Mar, interpretada pela voz de Ana Marques, acompanhada pelo músico e compositor Paulo Ribeiro, fechou esta jornada de trabalhos com uma nota cultural, outra das dimensões possíveis na abordagem do tema em debate.