Intervenção e debate nas comemorações de Lagos
Carlos Miguel, José Alberto Baptista e Luís Caetano foram os oradores do debate sobre o poder autárquico realizado este sábado, em Lagos. As conquistas do Poder Local democrático, alcançadas ao longo dos seus 50 anos de vigência, e os novos desafios que se colocam às autarquias foram o mote das preleções de três ilustres convidados e do debate que se lhes seguiu, moderado pelo jornalista João Tiago.
Na sessão de abertura foi sublinhada a importância determinante do Poder Local na afirmação do quadro democrático pós 25 de Abril, recordando-se, igualmente, o facto de os concelhos estarem na génese do país, e, como tal, profundamente enraizados na forma de organização do território e respetiva administração.
Para Carlos Miguel - antigo presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras, Secretário de Estado nos XXII e XXIII Governos da República Portuguesa e figura bem conhecida dos lacobrigenses pela amizade que une os municípios de Lagos e de Torres Vedras, ligados pela figura de São Gonçalo – “o Poder Local é, a par do SNS, uma das maiores conquistas de Abril, ao mesmo se devendo, no seu entender, o cumprimento dos 3D (Descolonizar, Democratizar e Desenvolver), sendo que, em matéria de desenvolvimento, “o “D” das autarquias é ainda maior e sublinhado a negrito”. Para sustentar a sua afirmação acrescentou que os municípios são responsáveis por 50% do investimento público em Portugal, com apenas 15% da receita nacional, prova de que as autarquias fazem mais com menos. Passando em revista os 48 Anos de Poder Local Democrático, Carlos Miguel identificou quatro grandes fases que se interpenetram: a primeira, entre 1976 e 1986, em que se construíram as infraestruturas básicas de iluminação pública, água, estradas e saneamento básico; a segunda entre 1986 e 1989, correspondente à adesão à então designada CEE e à fase em que se dotaram os territórios de equipamentos públicos de utilização coletiva (bibliotecas, pavilhões desportivos, piscinas, centros culturais, entre outros); um terceiro período, entre 2000 e 2013, em que se apostou nas redes separativas de saneamento básico, selagem de lixeiras, construção de aterros sanitários, na escola a tempo inteiro e na requalificação de espaços públicos (lembrando o programa Polis); e, por fim, a fase iniciada em 2014, marcada pela aposta na atratividade territorial (de pessoas, empresas, investimentos, conhecimento e inovação) e na transferência de competências. Quanto ao futuro, a sua visão aponta para que as autarquias sejam cada vez menos fazedoras de obra, dedicando-se à manutenção do extenso património edificado já existente, e cada vez mais prestadoras de serviços, identificando áreas em que os municípios podem ter mais intervenção e defendendo a revisão da Lei das Finanças Locais, o aumento dos recursos afetos ao setor social e solidário, assim como o reforço das competências e autonomia financeira das freguesias, nomeadamente através da delegação de competências das câmaras nas freguesias.
José Alberto Baptista - primeiro presidente da Câmara Municipal de Lagos democraticamente eleito e que exerceu funções entre 1977 e 1989 - partilhou um depoimento mais pessoal das memórias que conserva dos primeiros tempos de “vida, liberdade, esperança e crença sob a bandeira da Democracia”, mas, também, da outra face da moeda, como as crises que enfrentou na gestão municipal, recordando, ainda, “a lealdade dos funcionários aos eleitos e a confiança dos autarcas nos funcionários”, para concluir, defendendo que “agora, como antes, a coragem dos autarcas tem de ser a mesma, embora os modos de fazer sejam outros e adaptados aos novos tempos”.
Por seu turno, Luís Caetano, docente do Instituto Superior de Educação e Ciências de Lisboa e antigo presidente da CCDR Centro, abordou as novas tendências e ferramentas ao dispor do Poder Local, como os sistemas de georreferenciação, as tecnologias 5G e 6G, a Inteligência Artificial, assim como as exigência éticas e de transparência, as quais devem ser assimiladas na prática governativa e de gestão, sem no entanto se perder o foco nas pessoas, que, nas autarquias locais, são conhecidas pelo nome e não como um número estatístico. Luís Caetano defendeu, igualmente, a necessidade de se incrementar o investimento nas marcas autárquicas e no branding territorial intangível, a realização de referendos locais em torno de matérias que sejam estruturantes e importantes para as comunidades e a adoção de políticas públicas integradoras.
A estas reflexões e visões juntaram-se os contributos e questões suscitadas pelo público presente, designadamente antigos e atuais autarcas do município e de freguesia, assim como dos cidadãos/eleitores a quem se destina a ação política do bem fazer.